Tesouras Notícias
domingo, abril 01, 2012
Quase seis meses depois de sancionada pela presidente Dilma
Rousseff, a lei que instituiu o aumento do aviso prévio ainda gera
dúvidas entre os trabalhadores e provoca impasse entre magistrados. O
aviso prévio é a comunicação antecipada e obrigatória do fim do contrato de
trabalho, feita pelo empregado ou pelo empregador. Depois disso, as partes
precisam acertar se o empregado continua trabalhando. O período mínimo a
ser cumprido após a rescisão do contrato é de 30 dias. Pela nova
lei 12.506/2011, para cada ano acima disso, o aviso prévio aumenta em 3
dias, até o limite de 90 dias. Mas e se o trabalhador ficou no emprego por 2
anos e dois meses? E se entrou na empresa antes da nova lei?
Como funciona
Antes da lei, o trabalhador cumpria o aviso prévio conforme a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT). Se deixava o emprego voluntariamente, tinha que
continuar trabalhando por 30 dias. Se não quisesse, deveria ressarcir a
empresa. Já, quando o empregado era dispensado, a empresa deveria mantê-lo no
trabalho por 30 dias ou liberá-lo, pagando pelo período não trabalhado.
Para cumprir ou receber aviso
prévio pelo período máximo (90 dias), o trabalhador precisa ter vínculo
empregatício com o contratante por pelo menos 20 anos.
Uma regulamentação por parte do
governo federal para deixar clara a aplicação da legislação,prometida pelo
Ministério do Trabalho, não tem previsão para sair. No entanto uma circular
interna, emitida no fim do ano passado e destinada a servidores que atuam com
rescisões de contratos de trabalho, dá uma diretriz do que pensa o governo
federal sobre o assunto.
Entre as principais questões
que estão sendo discutidas na Justiça trabalhista envolvendo a nova lei estão
itens como: a partir de quando o trabalhador tem direito ao acréscimo no aviso
prévio, quando o prazo do direito começa a ser contado, se há diferença na
proporcionalidade para quem tem 2 anos e 2 meses ou para quem tem 2 anos e 9
meses, por exemplo, e se vale tanto para o empregado como para empregador.
Na avaliação de magistrados
ouvidos pelo G1, parte das dúvidas poderia ser dirimida com uma
regulamentação do Executivo, mas eles creem que deverá ser a Justiça quem
preencherá as lacunas dessa nova lei.
Quem tem direito?
A circular 10/2011, de 27 de outubro de 2011, assinada pela Secretaria das
Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, destaca que a contagem do
acréscimo de tempo deverá ser feita a partir do “segundo ano completo” de
empresa. Com isso, só teria direito a 3 dias a mais o trabalhador que tivesse
pelo menos 2 anos e 1 dia de serviço.
“O acréscimo de que trata o
parágrafo único da lei somente será computado a partir do momento em que se
configure uma relação contratual de 2 anos ao mesmo empregador”, diz a
circular.
O desembargador André
Damasceno, vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região
(TRT-10) – que inclui o Distrito Federal e
Tocantins –, discorda da interpretação dada na circular do ministério.
“Não existe proporcionalidade
pela forma que está na lei. [...] A lei diz que, até 1 ano, tem direito a 30
dias. A partir do segundo ano, 1 ano e 1 dia pelo menos até 2 anos completos,
já tem direito a 33 dias.”
Para o professor da
Universidade de Brasília (UnB) Paulo Blair, doutor em Direito Constitucional, o
tempo adicional é garantido a todos com mais de 1 ano de empresa. Para ele, o
que pode gerar dúvidas é a questão da proporcionalidade, se o trabalhador com 1
ano e 1 dia de empresa tem o mesmo direito que outro com 1 ano e 9 meses, por
exemplo.
“Essa questão, se não for
regulamentada em um decreto, acredito que vai acabar sendo resolvida pelo Poder
Judiciário com o sistema de cômputos proporcionais, como acontece com as férias
e o 13º. A tendência é pela proporcionalidade." Para ele, a circular do
Ministério do Trabalho é uma “medida cautelosa na ausência de critérios” para
evitar multar empresas que não pagarem o aviso prévio proporcional para
empregados com menos de 2 anos de serviço.
Já o magistrado Germano
Siqueira, diretor de assuntos legislativos da Associação Nacional dos
Magistrados Trabalhistas (Anamatra), concorda com a circular do governo. “Essa
é uma interpretação que explicita bem o sentido da lei. Com o segundo ano
completo virão mais 3 dias somados aos 30 iniciais. É claro que, além de uma
regulamentação que explicite isso, deve haver ampla divulgação pelo Ministério
do Trabalho e pelos sindicatos”, diz Siqueira.
Quando o direito começa?
De acordo com o juiz trabalhista Rogério Neiva, da 20ª Vara do Trabalho de
Brasília, a maioria das reclamações sobre novo aviso prévio que já entraram nas
varas trabalhistas se refere ao período a partir do qual o direito começa: se
vale para contratos de trabalho em andamento na publicação da lei ou o tempo
superior só começa a ser considerado a partir da publicação – uma pessoa com 20
anos de empresa demitida 1 dia depois da publicação já tem direito ou os 3 dias
por ano começam a ser contados depois que a lei foi publicada, por exemplo.
A circular interna do
ministério diz apenas que o direito começa a valer para quem entrar de aviso
prévio a partir da publicação. “Eu levo em consideração o prazo a partir da
publicação da lei, mas a lei não disciplinou nada. [...] Esse é um assunto ou
do poder Legislativo, para que discipline em uma nova lei a partir de quando
produz efeito, ou do poder Judiciário, enquanto intérprete da lei. O Executivo
não pode criar direitos nem obrigação, pode dizer como cumpre e isso
simplesmente não resolveria esse ponto que, na minha opinião, é o principal
questionamento”, afirma Neiva.
O magistrado destaca que o
aviso prévio proporcional é uma questão sensível porque a partir dele são
feitos cálculos de outros direitos, como férias, 13º salário e FGTS.
Trabalhador também tem que
cumprir aviso maior?
O texto original da CLT – de 1943 – não previa o aviso prévio proporcional,
termo que foi incluído na Constituição de 1988 no artigo 7º, que trata apenas
dos direitos do trabalhador. Para alguns juristas, isso indica que o
trabalhador não deve ser obrigado a cumprir aviso prévio superior a 30 dias ou
ressarcir o empregador. Essa também é a interpretação do Ministério do Trabalho
na circular do ano passado.
O desembargador Andre
Damasceno, do TRT-10, discorda dessa tese e crê que trata-se de um direito de
mão dupla. “A CLT que continua vigente fala tanto do empregado como do
empregador. A interpretação é de que é um direito das duas partes.”
Damasceno afirma que uma
regulamentação por decreto “ajudaria a direcionar a solução”, mas afirma
considerar “mais provável que o tema seja pacificado na Justiça.”
Presidente da Associação
Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Sebastião Vieira Caixeta,
argumenta que “interpretações equivocadas” da nova lei podem gerar
“insegurança”. “Não nos parece razoável que uma lei para regulamentar um
dispositivo da Constituição que trata do direito do trabalhador se aplique a
ele. O trabalhador não tem que dar aviso superior. [...] Tem um problema de
redação e [o texto] poderia ter sido melhor elaborado.”
Ele afirma que um decreto
presidencial sobre o tema poderia deixar o direito “bem às claras”. “A nova lei
pode levar a acionamentos na Justiça de tema que, talvez com um decreto, não
gerassem necessidade de discussão judicial.”
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