O indulto individual concedido pelo
presidente Jair Bolsonaro (PL) a Daniel Silveira (PTB-RJ) é um instrumento que,
em tese, livra o deputado da pena de prisão, mas não da inelegibilidade. Ou
seja, Silveira continuaria impedido de se candidatar na eleição deste ano.
Também em tese, é um instrumento
blindado contra ações do STF (Supremo Tribunal Federal). Isto é, os efeitos do
decreto assinado por Bolsonaro nesta quinta-feira (21) seriam automáticos.
Mas vale repetir: em tese.
Isso porque a iniciativa tomada por
Bolsonaro menos de 24 horas depois da condenação de Silveira pelo STF contém
dois elementos raríssimos ou inéditos que dificultam qualquer prognóstico sobre
seu futuro.
O primeiro é o próprio uso do indulto
individual, também chamado de graça, sob o regime da Constituição de 1988.
Em geral, os indultos, previstos
tanto na Constituição quanto na legislação penal, são coletivos e beneficiam
diversos condenados que cumpram requisitos objetivos, como tempo de prisão.
O de Bolsonaro é diferente porque se
dirige a uma pessoa em particular.
Além disso, os indultos costumam ser
assinados para aliviar a pena de pessoas que já estejam cumprindo suas
sentenças.
O decreto que beneficia Silveira foi
emitido antes mesmo do trânsito em julgado, ou seja, antes de terem se esgotado
todas as chances de recurso judicial.
Para o advogado Pierpaolo Bottini,
professor de direito penal da USP, a falta de precedentes sobre o tema cria uma
série de dúvidas que precisarão ser respondidas nos próximos dias.
Uma das dúvidas, segundo ele, diz
respeito à inelegibilidade. A outra remete à primariedade, ou seja, se o réu
será reincidente caso volte a cometer crime.
Em condições normais, o indulto
alivia a pena imposta ao réu, mas não seus efeitos secundários. É o que
estabelece a súmula 631 do STJ (Superior Tribunal de Justiça), segundo a qual
um decreto como o assinado por Bolsonaro extingue apenas os efeitos primários
da condenação.
Dito de outro modo, isso significa
que outras consequências da condenação continuam aplicáveis ao condenado
beneficiado pelo indulto.
No caso de Silveira, o efeito
primário é a condenação a 8 anos e 9 meses de prisão, começando em regime
fechado. O indulto individual garante que o deputado não vai parar atrás das
grades.
Os chamados efeitos secundários,
porém, continuam de pé quando se considera o indulto normal. Por exemplo, em
caso de cometimento de novo crime, fica configurada a reincidência. O réu
também continua obrigado a reparar danos e perde bens de natureza ilícita.
Todos esses são considerados efeitos
secundários da condenação. Além deles, a inelegibilidade também entra na lista
das consequências que continuam aplicáveis mesmo após o indulto.
Uma possível discussão no caso de
Silveira é que, como a graça constitucional foi concedida antes mesmo do
trânsito em julgado, pode-se argumentar que o deputado nem chegou a ser
condenado. Sendo assim, em tese, ele nem poderia sofrer os efeitos secundários
da condenação.
É difícil que essa linha de
raciocínio prospere no STF, mas fica lançada a casca de banana para os
ministros da corte, há muito tempo alvo de ataques virulentos dos
bolsonaristas.
“Com isso, Bolsonaro gera uma crise
institucional brutal, porque ele claramente cria um obstáculo para o
cumprimento de uma decisão que foi praticamente unânime no STF”, afirma
Pierpaolo Bottini.
Outro nó que o decreto cria está na
eventual perda de mandato do parlamentar. Para Eliana Neme, professora da
Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, o indulto pode travar a
inelegibilidade pelo STF, mas não afeta o processo contra Silveira no
Congresso.
“A inelegibilidade do Daniel Silveira
é consequência da decisão do Supremo. Se o decreto suspende todos os efeitos da
decisão, ele determina a suspensão também da inelegibilidade que foi imposta”,
diz. “Mas esse decreto não atinge eventual decisão da Câmara dos Deputados
sobre a perda do mandato dele”.
O ineditismo do decreto, por outro
lado, pode jogar contra o próprio indulto. De acordo com Neme, embora os
pressupostos formais tenham sido cumpridos, é possível que o mecanismo seja
questionado devido à intenção do presidente, que também estaria enfrentando uma
decisão colegiada.
Em uma rede social, Eloísa Machado de
Almeida, professora e coordenador do Supremo em Pauta FGV Direito SP, afirmou
que o STF pode monitorar o indulto e anulá-lo se for inconstitucional.
Na avaliação dela, o decreto assinado
por Bolsonaro fere o princípio da impessoalidade e poderia, portanto, ser
derrubado pelo Supremo.
Uirá
Machado e Tayguara Ribeiro/Folhapress
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