A decisão do ministro Alexandre de Moraes (STF)
ratificada pelo plenário da corte que ordenou a prisão do deputado Daniel Silveira
(PSL-RJ) na noite desta terça-feira (16) é vista como controversa e divide
opiniões entre especialistas em direito ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo.
De acordo com a Constituição Federal, um
parlamentar pode ser preso em caso de flagrante de crime inafiançável. Moraes
justifica o flagrante pelo fato de a conduta ter sido gravada e disponibilizada
na internet.
As falas foram consideradas pelo STF crimes contra
a segurança nacional, por isso inafiançáveis, por conferirem ataques ao Estado
democrático de direito, como a defesa do AI-5 editado pela ditadura militar.
O enquadramento feito pelo ministro do Supremo,
porém, provoca questionamentos.
Para Ivar Hartmann, professor associado do Insper,
a menção à lei da ditadura evidencia a “motivação autoritária da própria
decisão”. Doutor em direito público, ele diz não acreditar que as falas feitas
por Silveira possam ser tipificadas dentro de tal lei.
“Fazendo um grande esforço interpretativo, talvez o
que mais chega perto é o art. 22, I – fazer propaganda em público de processos
ilegais para alteração da ordem política ou social”, diz.
Hartmann afirma que as condutas não são suficientes
para justificar a prisão, mesmo argumento defendido pelo professor Thiago
Bottino, da FGV Direito do Rio de Janeiro.
Apesar de a Constituição deixar claro quais são os
crimes inafiançáveis, diz, ele cita que o Supremo já usou uma interpretação
expansiva, quando determinou a prisão do então senador pelo PT Delcídio Amaral.
Em relação ao flagrante, Bottino discorda da
interpretação do ministro Moraes. “O fato de o vídeo gravado permanecer online
não caracteriza a continuidade da prática da conduta, na minha opinião. Crimes contra
a honra ou praticados por meio de palavras são instantâneos.”
“Se aceita a autoritária interpretação do ministro,
absolutamente qualquer crime pode justificar prisão em flagrante de
parlamentar, de que o órgão judicial entenda existir razões para prisão
preventiva”, completa Hartmann.
A advogada Rachel Amato, especialista em direito
penal e econômico pela FGV e integrante do escritório Kehdi & Vieira
Advogados, diz que é preciso analisar cada trecho do vídeo, mas o que é
possível dizer é que o deputado comete crimes contra a honra. Ela também
discorda de que exista flagrante no caso.
O professor de direito constitucional da Faculdade
de Direito da USP e colunista da Folha, Conrado Hübner, afirma que, pela
análise de Moraes, é possível enxergar crimes contra a segurança nacional, como
ameaçar o livre exercício de qualquer dos Poderes e incitar animosidade entre
as instituições.
Ele afirma que além desses, Silveira também comete
crimes contra a honra do ministro Edson Fachin, além de quebra de decoro parlamentar.
Para o especialista, é importante distinguir a existência dos crimes da
possibilidade de prisão em flagrante.
“Essa interpretação de flagrante é extremamente
perigosa, pois pode justificar que policial prenda uma pessoa qualquer, por
exemplo, por post de anos atrás. Mas não seria impossível caracterizar a
flagrância de modo mais criterioso e cuidadoso”, diz.
Na avaliação do professor da FGV e advogado
criminalista Davi Tangerino, a decisão de Moraes foi difícil, mas correta, uma
vez que não há posição totalmente consolidada em relação à caracterização de
flagrante no caso de conteúdo disponibilizado na internet.
Maria Carolina Amorim, diretora nacional do IBCCRIM
(Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), também concorda com a decisão do
ministro.
“Nem a Constituição Federal, tampouco as leis
ordinárias, permitem a propagação de manifestações que incitam a ruptura do
Estado de Direito, motivo pelo qual as palavras do deputado contra os ministros
do STF e contra as instituições democráticas poderiam, sim, se enquadrar nos
crimes acima mencionados.”
Segundo os especialistas, Silveira pode ter
cometido crimes contra a segurança nacional —ao ameaçar o Supremo e incitar
manifestações contra a corte—, além de crimes contra a honra (calúnia,
difamação e injúria) e quebra de decoro parlamentar.
Já a PGR (Procuradoria-Geral da República), ao
denunciar o deputado nesta quarta-feira, diz que Silveira incitou, em duas
ocasiões, o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre
exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e, ao menos uma vez, instigou a
animosidade entre as Forças Armadas e o STF.
As atitudes de Silveira, segundo a denúncia
assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros,
configuram os crimes dos artigos 344 do Código Penal (por três vezes) e do
artigo 23, inciso II (uma vez) e inciso IV (por duas vezes) da lei 7.170/1983
—este último combinado com o artigo 18 da mesma lei.
No vídeo, Silveira reage à nota do ministro Edson
Fachin que classificou como “intolerável e inaceitável” às revelações de que a
cúpula do Exército, liderada então pelo general Villas Bôas, havia articulado
um tuíte para pressionar a corte na véspera do julgamento de um habeas corpus
para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018.
O deputado chama Fachin de “moleque, mimado, mau
caráter, marginal da lei” e depois acrescenta que é o ministro é “vagabundo,
cretino e canalha” e parte da “nata da bosta do STF”. O deputado também diz
imaginar uma agressão contra o ministro.
“Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma
surra. O que você vai falar? Que estou fomentando a violência? Não, só
imaginei”, diz o parlamentar, que afirma não cometer crime em sua declaração.
“Qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem
dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após cada
refeição, não é crime”.
Silveira também chama Alexandre de Moraes de
“Xandão do PCC” em alusão à facção criminosa Primeiro Comando da Capital. O
deputado diz ainda que o ministro Luís Roberto Barroso “gosta de culhão roxo”
e, ao falar de Gilmar Mendes, faz um sinal com os dedos indicando dinheiro.
O deputado diz que respeita apenas o saber jurídico
do ministro e presidente da corte, ministro Luiz Fux, mas defende a
substituição dos onze ministros, aos quais acusa de “defecar” sobre a
Constituição.
O parlamentar também faz a defesa do AI-5, da
ditadura militar, afirmando que o mesmo foi necessário para livrar o país de
vagabundos comunistas e que foi um recado muito claro. “Se fizer besteirinha, a
gente volta”, disse.
O argumento usado por Silveira ao longo do vídeo, e
também usado pela defesa do deputado, é de que a fala estaria protegida pelo
direito à liberdade de expressão e pela imunidade parlamentar. O argumento,
porém, é questionado.
Para o professor de direito penal da Faculdade de
Direito da USP e advogado criminalista Pierpaolo Bottini, não há como
justificar as falas de Silveira com base no direito à imunidade parlamentar
prevista pela Constituição, conforme o deputado alega.
“A imunidade parlamentar é sagrada quando
desempenhada no exercício da profissão. Neste caso, ele ultrapassou todos os
limites. Ali não há uma crítica ácida, política, contundente, mas uma incitação
ao ódio, que é vedada pela constituição”, diz. Hübner concorda, mas faz uma
ressalva.
“Nem a liberdade de expressão e nem a imunidade
parlamentar são ilimitadas. Contudo, o diabo está no detalhe: quem define onde
traçar essa linha é o judiciário e é preciso ter uma jurisprudência estável,
criteriosa e cuidadosa, que analise bem cada caso concreto”.
A diretora do IBCCRIM concorda e diz que a
imunidade está prevista para que os parlamentares expressem opiniões, palavras
e votos com conexão com a atividade da função legislativa. “Não foi o caso do
vídeo do Deputado Daniel Silveira”, diz.
Hartmann discorda. “O parlamentar está fazendo
crítica ácida da atuação de ministros do STF que têm, por sua vez, enorme
poder. O que protege a liberdade de expressão do parlamentar —que na nossa
Constituição é mais ampla do que aquela do cidadão comum— é exatamente a
imunidade do art. 53”.
Bottino afirma que só ao longo do processo poderá
se verificar se a fala do deputado tinha nexo com o mandato parlamentar. “O
afastamento da imunidade só ocorre quando claramente ausente vínculo entre o
conteúdo do ato praticado e a função pública parlamentar exercida”.
Na avaliação de Tangerino, a decisão de Moraes é
resultado da omissão do Congresso diante de falas de parlamentares contra a
ordem democrática, citando como exemplo declarações anteriores do deputado
Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) em defesa do AI-5 e do fechamento do congresso.
“Tendo a acreditar que se o Congresso tivesse
tomado posturas mais firmes com os deputados, que não toleram atitudes
antidemocráticas, não chegaria a esse ponto”, diz.
CONFIRA TRECHOS DOS ATAQUES DO DEPUTADO
BOLSONARISTA AO SUPREMO
“Fachin, seu moleque, seu menino
mimado, mau caráter, marginal da lei”
“O que acontece, Fachin, é que todo
mundo está cansado dessa cara de vagabundo que tu tem”
“Quantas vezes eu imaginei você
[Fachin] na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que estou fomentando a
violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda não seria crime.
Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então, qualquer
cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até
ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime”
“Vocês não têm caráter, nem escrúpulo e
nem moral para estar na Suprema corte”
“Eu concordo completamente com o
Abraham Weintraub quando falou quando falou eu por mim colocava esses vagabundo
na cadeia, aponta para trás, começando pelos ministro do STF. Ele estava certo.
Ele está certo. E com ele pelo menos 80 milhões de brasileiros corroboram com
esse pensamento”
“Você e os seus dez amiguinhos aí não
guardam a Constituição. Vocês defecam sobre a mesma Constituição, que é uma
porcaria. Ela foi feita para colocar canalhas sempre na hegemonia no poder. E
claro, pessoas da sua estirpe devem ser perpetuadas para que protejam o
arcabouço dos crimes do Brasil”
“É claro que vocês vão me perseguir
pelo resto da minha carreira política, mas eu também vou perseguir vocês. Não
tenho medo de vagabundo, de traficante, de assassino, vou ter medo de onze que
não servem pra porra nenhuma para esse país? Não, não vou ter”
“Lá em 1964, quando eles perceberam a
manobra dos vagabundos comunistas da sua estirpe, em 64 foi dado o contragolpe
militar, é que teve os 17 atos institucionais, o AI-5, que é o mais duro de
todos, como vocês insistem em dizer, aquele, que cassou três ministros da
Suprema Corte, você lembra? Cassou senadores, deputados federais, estaduais.
Foi uma depuração, com um recadinho muito claro: se fizer besteirinha, a gente
volta”
“Fachin, um conselho pra você: vai lá e
prende o Villas-Bôas, só pra gente ver um negocinho. Se tu não tem coragem,
como você não tem. Você não tem culhão roxo pra isso, principalmente o Barroso,
aí que não tem mesmo. Na verdade, ele gosta do culhão roxo”
“Barroso, o que ele gosta é de culhão
roxo, mas não tem culhão roxo. Fachin covarde, e Gilmar Mendes [faz gesto de
dinheiro com as mãos] é isso que tu gosta, né Gilmarzão”
“Suprema corte é o cassete. Na minha
opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova
nomeação convocada e feita de onze novos ministros”
“Por mim, claro, se vocês forem
retirados daí, seja por nova nomeação, seja por aposentadoria ou por pressão
popular ou seja lá o que for, claro que vocês serão presos porque vocês serão
investigados, porque vocês não terão mais essa prerrogativa”
“Eu só quero um ministro cassado, para
os outros dez idiotas pensarem: eu não sou intocável”
Géssica Brandino/Folhapress
0 Comentários