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sexta-feira, março 08, 2019
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Dren faleceu nessa quarta-feira (06) (Foto:Redes Sociais) |
Por José Américo
Faleceu nesta quarta-feira, 06
de março, aos 80 anos, José de Assis Filho, mais conhecido como Dren , o homem
do cinema. O óbito foi registrado por volta das 12h15 no Hospital Geral de
Ipiaú, onde estava internado desde o último domingo. Dren lutava contra um câncer, diagnosticado durante exames após um acidente
automobilístico no ano passado, na BA-650, trecho entre Ipiaú e Ibirataia. O corpo será velado no prédio da Loja Maçônica Fraternidade
Rionovense, enquanto o sepultamento ocorrerá nesta quinta-feira, 07, no
cemitério Jardim da Saudade. Dren ganhou fama em Ipiaú e municípios circunvizinhos pela sua
ligação com salas cinematográficas, a exemplo do Cine Éden e daquela que tinha
como nome de fantasia o seu próprio apelido: Cine Dren. Leia
Mais
A magia do cinema lhe encantou desde criança. Em caixas de
sapatos simulava projeções de imagens de revistas em quadrinhos e estampas do
sabonete Eucalol. Viajava naquelas figuras lendárias. Também utilizava lanterna
para projetar essas imagens desenhadas em uma tela de vidro e ampliadas por uma
lente.
Foi batizado com nome de José de Assis Filho, mas prevaleceu o
apelido de Dren, dado pelo médico radiologista José Maria Rodrigues durante um
baba à beira rio.
No ano de 1948 assistiu ao filme “A Grande Aventura” de Charlie
Chaplin e apaixonou-se de vez pela “Sétima Arte”. O Cine Éden que originalmente
funcionava no armazém do italiano José Miraglia, na Praça Rui Barbosa,
tornou-se a principal motivação da sua juventude.
Em 1954, o cinema já estava instalado em novo prédio e Dren
arranjou um emprego por lá.
Aperfeiçoou-se naquilo que mais gostava. Remendava as fitas,
pintava cartazes, cuidava da bilheteria, operava a maquina de projeção,
organizava a sala, enfim realizava todas as tarefas que lhe permitissem ficar
por ali.
Aprendeu tudo isso com Leto, um sujeito de estatura alta e
magricela, cujo tino artístico acentuava-se à proporção em que se embriagava.
Os filmes de Tarzan, com o ator Johnny Weissmullhe , atraiam
grande publico, enquanto a produção nacional procurava se firmar com as
chanchadas de Oscarito, Ankito e Grande Otelo. Vieram os épicos, os faroestes...
Dren assistindo tudo, tirando proveito, até chegar o tempo
(1964) de adquirir um projetor de 16 mm e iniciar sua grande aventura.
Realizava sessões no auditório do Ginásio de Rio Novo e outros
locais da região. Em seu carro de som percorria os arruados anunciado a atração
da noite. Os anúncios às vezes eram mais vibrantes do que a película em cartaz.
Dele dizia o patriarca Jorge Cunha: ”Esse rapaz nasceu prá fazer
zoada”. A resposta do barulhento marketing era sempre animadora: casa cheia,
bilheteria com boa arrecadação, lucro.
Dren levava o cinema aonde somente os pequenos circos tinham
ido. Ibitupã, Tapirama, Itaibó, Itajurú, Santa Terezinha, Algodão... Povoados
em êxtase com aquela novidade. A fixação era tanta que confundiam a ficção com
a realidade e até interferiam na cena.
Xingavam o vilão, ameaçavam de arma em punho, queriam invadir a
tela.
Às quintas feiras, Dren exibia seus filmes na Fazenda São José,
de José Hagge Midlej. Lá, por recomendação do proprietário, os homens sentavam
à direita e mulheres à esquerda. Zé Hagge entendia que “prevenir era melhor que
remediar”.
CINE BUFA
No ano de 1969, Dren inaugurou na Rua Castro Alves, em um antigo armazém de
cacau, uma sala com o seu próprio nome.
O CINE DREN roubou do Cine Éden o publico mais vibrante e
ganhou, por motivos óbvios, o honroso apelido de “Cine Bufa”. Não tinha
sanitários, o mobiliário era constituído por grotescos bancos e tamboretes, a
ventilação muito deficiente e a esculhambação generalizada.
O calor excessivo permitia que a platéia tirasse a camisa
enquanto assistia ao filme.
No meio da projeção costumava-se ouvir: -”Ô Dren, eu quero
mijar! Ou então:-”Bufaram aqui , ta um fedor retado!”. Dren respondia aos
gritos:-“Tapa o nariz, aperta o rabo, porque se eu for lá é pra enrolhar o toba
de um”.
Quando a coisa chegava às raias do insuportável, ele interrompia
a projeção e saia cheirando o cangote de cada cinéfilo. Aos cascudos, o
principal suspeito era expulso do recinto .
Na troca de carretel, a turma podia ir até o terreno baldio no
fundos do prédio pra fazer necessidades fisiológicas. Alguns voltavam com os
pés melados de bosta e aí era que a coisa fedia mesmo.
O Cine Dren tinha sessões à tarde, à noite e quase de madrugada.
Na ultima sessão eram projetados os chamados filmes de putaria. Foram eles que
motivaram uma intimação do delegado de policia ao proprietário da sala.
A queixa foi prestada pelas freiras do Instituto Sagrada
Família, que moravam na vizinhança do cinema. Elas estavam incomodadas com os
chiados indecentes dos atores em cena e com as frases ditas em voz alta pela
platéia.
As mais moderadas eram do tipo: ”vai sacaninha...
Alguns filmes ficavam em cartaz durante semanas. Um exemplo
disso foi “Tarzan: O Rei das Selvas”. De tanto assistir a fita, um garoto
decorou a cena.
O herói estava sendo perseguido por índios bravios quando no
auge da suspense o assistente gritou: “Tarzan ô Tarzan. O personagem dá uma
paradinha, volta a cabeça e, no close hollywoodiano, olha em direção à platéia.
Satisfeito com a atenção dispensada, o rapaz emenda: Não é nada não Tarzan, se
manda porque os índios tão quase te pegando”.
Nessa mesma época o rio de Contas encheu a ponto de cobrir a
ponte próxima ao “Areião do Arara” , na via de acesso a Jequié, cidade onde se
buscava novos filmes. Sem alternativa Dren anunciou no carro de som que
aconteceria a espetacular estréia de “A Volta de Tarzan”.
Não deu outra: casa cheia, filas para a segunda sessão, gente
querendo entrar de qualquer jeito. Descoberta a farsa, as reclamações foram
imediatas e a explicação também: “Vocês entenderam errado, eu queria dizer que
o mesmo filme estava de volta”.
O advogado e pesquisador Paulo Andrade Magalhães lembra que
“além de exercer sozinho quase todas as atividades no âmbito do cinema, Dren
também era dotado de uma prodigiosa criatividade.
No próprio ingresso esclarecia, implicitamente, ao espectador,
de que ali não se tratava de uma sala comum e sim do “PALÁCIO DOS BONS
FILMES", patrimônio dos municípios de Ipiaú,Ibirataia,Itagí e Jitauna.
JOGADOR E APOSTADOR
Parte do dinheiro que ganhava com o cinema, Dren perdia em
apostas. Optava sempre pela “zebra”, dava vantagens absurdas, mas quando
acertava tirava o maior sarro.
Jogando futebol no Estádio Pedro Caetano, pelo Vasco da Avenida,
recebeu o apelido de “Tupanzinho”. Um dia fez um gol de bicicleta. Em homenagem
à façanha, mandou pintar em sua lambreta a figura de um atleta realizando a
famosa jogada inventada por Leônidas da Silva.
A zoada que fazia no carro de som, o homem do cinema repetia no
salão da sinuca. Ficaram famosos seus embates com Jorge Montanha, Fran, Bita,
Chopp, Luis Barão e Miguel Tannus . Achava-se o bamba do taco, mas nem sempre
encaçapava a bola da vez.
THE END
O filão do Cine Teatro Eden foi explorado por diversos
empresários, no entanto , por ironia do destino, coube a Dren ser o ultimo
deles. Alugou a sala na segunda metade dos anos 70 e resistiu até março de
1984.
Tentava vencer a concorrência da televisão em cores, exibindo
filmes de artes marciais e pornografias, mas não suportou aos aumentos
sucessivos do custo do aluguel.
Entregou as chaves, chorou. Lágrimas de despedida, saudades eternas. Fecharam
as portas o Edén, encerrou-se uma importante época da cultura ipiaúense.
Dren ( O Ultimo dos Moicanos), mudou de ramo. Passou a ser
revender alimentos industrializados para os supermercados e mercearias da
região.
Percorria os mesmos caminhos que fazia com o seu cinema
mambembe. Encontra velhos cinéfilos, recorda antigas façanhas e assegura com
pureza d’alma: “Aquele foi o melhor tempo da minha vida”.
Na mente de cada ipiaúense que viveu a bela época do cinema,
projeta-se a imagem de Dren: trabalhador, falastrão, querido.
O filme da sua vida encerrou nessa quarta-feira de cinzas, 6 de
março de 2019. THE END. Reprises ocorrerão em nossas memórias.
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