Advogados avaliam que com a ‘indústria do dano moral’, indenizações de consumo são reduzidas


Nesta terça-feira (15), é comemorado o Dia Internacional dos Direitos do Consumidor. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor está em vigor desde outubro de 1991, e, através dele, muitas pessoas passaram a reclamar de problemas de má prestação de serviço, e buscar reparação de eventuais danos que possam ter sofrido. Atualmente, muitos advogados reclamam dos baixos valores proferidos em sentenças, em caráter indenizatório. Alguns juristas já apontam que há uma “indústria do dano moral”, e, por isso, alguns pedidos de reparação são considerados apenas “meros dissabores”. O vice-presidente da Associação Baiana dos Advogados dos Juizados Especiais (Abaje), Eduardo Guimarães, afirma que, de fato, existe essa indústria, e que, diante da banalização do instituto do dano moral, os juízes têm julgado improcedentes pedidos de reparação. Para ele, a medida mais eficaz de se fazer justiça é “penalizar com rigor as empresas que usam de artifícios para ferir os direitos do consumidor e punir o consumidor, através de multa, que queiram usar o Judiciário para que façam do dano moral um meio de subsistência”. Ele ressalta que, com o entendimento atual dos magistrados, nem o efeito pedagógico da medida acaba não sendo atingido ou o caráter punitivo, e que, pouco tempo depois de uma sentença expedida, as empresas voltam a cometer o mesmo ato considerado abusivo.

Para o representante da Abaje, o baixo valor arbitrado de indenização por danos morais acaba desestimulando os advogados de militarem na área do consumo. “Geralmente, se cobra em torno de 20% de honorários advocatícios. Eles dão danos morais de R$ 2 mil, R$ 1 mil, tem juízes chegando ao absurdo de dar danos morais de R$ 200, cobrando 20% vai receber quanto? R$ 40? R$ 400. Não compensa. A maior parte dos advogados, hoje, que militam nos juizados especiais, são advogados novos, recém-formados, e realmente perdem o interesse”, destaca. Guimarães diz ainda que, antes do Código de Defesa do Consumidor, as pessoas não reclamavam, aceitavam o que estava sendo imposto. Com o código e a criação dos Juizados Especiais, segundo ele, os consumidores passaram a ver tudo como um direito que pode gerar dano moral, e com isso, “coisas absurdas” se tornam pedidos de indenização, como a falta de ketchup em uma lanchonete.

A advogada Stéphanie Nery, que milita na área de consumo, afirma que, nas ações de consumo, o que se discute não é o dano em si, e sim “a falha na prestação do serviço”. “No momento em que se percebe que houve uma falha na prestação do serviço, que pode ser uma cobrança indevida, um serviço não prestado, um cancelamento indevido, configura-se a falha na prestação do serviço. Isso tem que ser penalizado em caráter preventivo e punitivo. O que é R$ 2 mil para uma empresa de telefonia, por exemplo? Nada. Esse valor não está punindo ela em nada. Se o juiz arbitrar um valor punitivo, a empresa pode parar de cometer falhas”, indica. Ela explica que o que se entende como “mero dissabor” é algo que seria corriqueiro, como esperar uns minutos a mais em uma fila de banco do que o previsto em lei. “Isso não lhe gera um dano na sua intimidade. Isso seria um mero dissabor”, pontua a advogada. “Uma cobrança indevida que não lhe negativa, não inserem seus dados nos serviços de proteção ao crédito, os juízes entendem que, como seu nome não ficou negativado, e você recebeu umas três ligações de cobrança, isso não enseja danos. Isso é apenas um mero dissabor. Eu não entendo dessa forma, porque, a partir do momento que eu não devo nada a ninguém, eu não sou obrigada a receber uma ligação de cobrança – quem está devendo não gosta de ser cobrado, imagina quem não está devendo? - E essa empresa que ficou ligando por uma falta de organização, incomodando o consumidor, deve ser punida”, frisa. Ela diz que, algumas pessoas, com receio do nome ser negativado, acaba pagando uma cobrança indevida, por exemplo, estar em fase de compra de um imóvel, momento em que você não pode ter seu nome incluso nos serviços de proteção ao crédito. “Quantas pessoas estão pagando pelo que não devem, com receio de terem seus dados inseridos nos órgãos de proteção ao crédito? O mero dissabor está nisso: eles entendem que não houve um dano, um prejuízo de ordem psicológica, de ordem moral naquele consumidor. E entende como algo corriqueiro, e como corriqueiro hoje, para mim, se confunde como dano, porque esses abusos de toda ordem aos consumidores se tornaram corriqueiras. As falhas não podem ser corriqueiras”, assevera. O advogado Euripedes Brito Júnior, que atua em prol de empresas em casos de relação de consumo, afirma que o dano moral possui vários graus para ser mensurado em um processo e a depender do caso concreto. “Um dissabor para um juiz pode ser considerado um dano moral por outro. Tem danos morais gravíssimos, como perda de um membro, de um ente querido. A lei deixa ao arbítrio do juiz a possibilidade de fixar o dano moral. Não existe tabela, existe a margem da lei. A indenização tem que ser proporcional ao dano, a extensão do dano, a ofensa de quem sofreu o dano e a capacidade financeira de quem causou o dano. Não basta ser dano”, explana o advogado. Brito Júnior diz que, nesses casos, se fica na “zona de discricionariedade do juiz”. “É uma autonomia para ele decidir. A decisão, entretanto, precisa estar dentro da lei e fundamentado”, afirma. Outro ponto indicado por ele é o fato da empresa alegar dissabor e outra é a constatação disso. “Dificilmente, uma ação de mero dissabor vai subir para o STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Isso faz parte do cotidiano das Turmas Recursais. As turmas têm abrandado condenações muito altas, tem reduzido condenações de R$ 20 mil, R$ 10 mil, para uma média de R$ 2 mil, mas quando há dano. Quando não há, tem isentado a empresa”, disse. Desde o advento do Código de Defesa do Consumidor, o advogado diz que as empresas, “sem dúvida, melhoraram muito a prestação de serviço, mas também cresceu muito o consumo, em todos os setores. “O fato de ser muito demandada não significa que é uma má prestadora de serviço, significa que tem muitos clientes”, sinaliza.

Uma das formas de um consumidor que se sentir lesado de tentar resolver seu problema é buscar o Procon. Através da via administrativa, o órgão pode multar a empresa ou chama-la para uma negociação, a fim de resolver um impasse. Entretanto, na esfera administrativa, o consumidor não consegue reparação por danos. O consumidor pode, além de procurar o Procon, buscar os Juizados Especiais para tentar uma reparação. Não é preciso de advogado para apresentar uma reclamação nos Juizados. A advogada Stéphanie Nery indica que os consumidores procurem auxílio de um profissional habilitado para promover a defesa dos seus direitos, posto que sozinho perante uma empresa não terá condições de lutar de forma igual. Os balcões de Justiça também podem ser procurados para que as partes façam uma conciliação, como o novo Código de Processo Civil estimula. Os advogados entrevistados pelo Bahia Notícias discordam que o Código de Defesa do Consumidor seja paternalista e proteja mais os consumidores. Eles afirmam que o código traz um equilíbrio para as relações de consumo. Segundo Stéphanie Nery, “no direito, os desiguais, não podem ser tratados de forma igual” e que, o código protege o consumidor, porque ele, “de fato, é a parte mais enfraquecida da relação”. “Não se pode comparar uma grande empresa com o consumidor. Você firma um contrato com a empresa e ela não permite que você avalie aquele contrato e você assina porque precisa daquele serviço, é forçado a fazer aquilo. O contrato é de caráter adesivo e isso, por si só, torna o consumidor enfraquecido diante da empresa. Ele não fica superior à empresa”, salienta. Euripedes Júnior afirma que, as empresas, quando o código entrou em vigor, tinha a preocupação em se ajustar, “mas nunca viram como obstáculo desproporcional. “Na verdade, é uma espécie de estímulo a melhoria do serviço e do produto”, indica. “Hoje, com 25 anos de vigência, eu vejo o código como uma norma disciplinadora de relações de consumo, do que propriamente de defesa do consumidor”, avalia. Já para o vice-presidente da Abaje, Eduardo Guimarães, o código poderia ser atualizado, e “até punir com mais rigor as empresas”.

Do Bahia Notícias 

Postar um comentário

0 Comentários