SALVADOR, 463 ANOS



É, a cidade é poética, encanta, inspira, canta e dança, apesar de sua idade tão avançada, completando nesta quinta-feira 463 anos. Por isso, ela merece todas as homenagens e os nossos mais sinceros parabéns.
            Mas não nos deixemos enganar pela sua aparência saudável e fértil, porque essa velha senhora não anda assim tão bem, embora continue a atulhar seus filhos pela periferia. Digo até que nunca a vi tão abandonada, desrespeitada e cansada de viver. O amor, neste caso, dedicado a ela, é um contraponto de uma história de labuta e fé no Senhor do Bonfim, para não se negar a essa senhora vetusta a luz no final do túnel, visto que o caminho anda mal iluminado e sem futuro. Com o descaso irritante dos seus governos, cenas deploráveis já nos são mais comuns do que queríamos ver. Ontem mesmo eu a vi parindo no meio da rua, apesar de sua idade; e eu a vi esmolando numa sinaleira, apesar de sua idade; e eu a vi entregando-se às drogas, apesar de sua idade. Pior do que isso, a sua gente vai se tornando insensível aos dramas sociais e finalmente se acostuma em vê-la entre o descaso e o abandono.
            Sem ser piegas, a Cidade do Salvador ainda nos encanta e nos emociona e nos inspira amor, portanto há toda a possibilidade de nos fazer feliz, e de ela também se fazer feliz, mas não sejamos demasiadamente bairristas e não fechemos os olhos aos desmandos e aos descuidos de tantos governos que por ela passaram. Deixemos as calçadas limpas e desimpedidas para que ela, a velha cidade, possa caminhar tranquilamente sem temer a própria sorte; deixemos as crianças nas escolas, para que ela, a caridosa cidade, não se envergonhe de si mesma ao vê-las se prostituindo pelas ruas; deixemos cada cidadão apropriar-se do seu direito de ir e vir, para que ela, a justa cidade, não precise empunhar bandeiras pela paz.    
            Cantemos parabéns para essa linda cidade, mas deixemos que ela mesma apague suas velhinhas.

Escrito por Achel Tinoco

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